Sentença Criminal em Homicídio Qualificado - pelo Juiz AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR

14/05/2012 10:01

 

 

Seria muito bom que alguns Juízes Criminais no Brasil, que voltam as costas para a sociedade e para as famílias das vítimas aplicando penas irrisórias a autores de barbáries, se contagiassem com a Sentença abaixo do Juiz Substituto AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR, da Comarca de Jacupiranga (SP).

Infelizmente, a condenação adiante transcrita é uma exceção, posto que, no mais das vezes, situações idênticas à deste caso têm sido apenadas com 13 a 15 anos no máximo, inclusive aqui em Divinópolis, o que revela, de um lado, um descaso com a sociedade e, em especial, com as famílias das vítimas que não encontram resposta minimamente justa para a dor, e, de outro, uma absurda desproporcionalidade em relação ao bem sacrificado - VIDA.......

Detalhe: em que pese o "quantum" da pena (23 anos), o réu só cumprirá, efetivamente em regime fechado, 09 (nove) anos e alguns meses.

 

 

 

 

Tribunal do Júri da Comarca de Jacupiranga

Autos nº 016/2011

Autor: Ministério Público do Estado de São Paulo

Acusado: XXX

                                

S  E  N  T  E  N  Ç  A

 

Vistos.

 

XXX foi pronunciado como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II e III, do Código Penal.

 

Instruída a causa, debateram as partes em plenário, sustentando o Ministério Público a condenação nos moldes da pronúncia. A defesa invocou a desclassificação para o crime de lesão corporal, o reconhecimento do privilégio por haver o réu agido imbuído de violenta emoção e pediu também o afastamento das circunstâncias qualificadoras.

 

Submetido a julgamento, nesta data, o Egrégio Conselho de Sentença, em resposta aos quesitos formulados, admitiu o integral teor da acusação, reconhecendo a materialidade e a autoria delitivas, bem como o nexo de causalidade; entendendo ser um crime de homicídio (ou seja, não desclassificando para lesão corporal); afastando a absolvição; afastando o privilégio relativo à violenta emoção e reconhecendo a presença das duas circunstâncias qualificadoras.

 

Nessas condições, e partindo do mínimo legal (12 anos de reclusão), passo à dosimetria e individualização da pena, com observância ao sistema trifásico adotado pelo Código Penal (CP, art. 68).

 

Na primeira fase são desfavoráveis as circunstâncias judiciais da culpabilidade, da personalidade, da conduta social e das circunstâncias do crime

 

A culpabilidade merece elevadíssimo grau de reprovabilidade porque o crime aconteceu contra a própria companheira do acusado, a qual já vinha sendo submetida a reiteradas agressões por parte do réu durante a constância do relacionamento. A vítima a ele servia como mulher e como “empregada”, a tal ponto que chegava a implorar para outras pessoas para obter dinheiro para poder comprar drogas por ele exigidas, o que demonstra que era ela de todo submissa ao acusado e, ainda assim, mesmo diante de todo esse comportamento que a vítima adotava para poder agradá-lo, o réu não pestanejou em agredir a vítima como se fosse dono dela, senhor da vida e da morte dela. Por isso, elevo a pena em 4 anos de reclusão.

 

A personalidade do réu é deturpada, pois demonstrou extrema insensibilidade moral em sua conduta, não tendo cessado as agressões nem diante dos pedidos da companheira, nem diante das intervenções de seus familiares, e ainda criando obstáculos para que ela recebesse atendimento médico, inclusive tendo afirmado para uma testemunha a chocante frase de que ela somente sairia da casa carregada pelo serviço funerário. Mais: posteriormente demonstrou frieza quando interrogado em solo policial logo após os fatos. Tais elementos demonstram que o acusado tem comportamento extremamente violento, especialmente voltado contra as mulheres. Por tudo isso, faz-se necessário severo aumento, de modo que elevo a pena em 3 anos de reclusão.

 

A conduta social também merece consideração negativa. É que a prova oral atestou que o réu era dado à ingestão imoderada de drogas e bebidas, o que se apresenta incompatível com os padrões éticos exigidos pela vida em sociedade e em família. Desse modo, providencio elevação na pena em 2 anos de reclusão.

 

As circunstâncias do crime também reclamam aumento expressivo. Com efeito, a vítima era pessoa que ainda se encontrava na flor da idade e teria muito a viver se não tivesse sua trajetória por este plano material sido prematura e violentamente ceifada pelo réu. Com certeza a vítima tinha sonhos e esperanças por realizar, sonhos esses que ficaram interrompidos. Por essa grave circunstância, entendo que a pena deve ser majorada também de modo severo, razão pela qual aumento a pena em 3 anos de reclusão.

 

Pena-base em 24 anos de reclusão.

 

Na segunda fase (circunstâncias legais), tendo em vista que há concurso de duas qualificadoras, uma deve ser considerada para qualificar o crime e a outra como agravante (nesse sentido: TJSP, Apelação Criminal 993060301438, rel. Debatin Cardoso, j. 7.3.2007), assim, tomo o motivo fútil como qualificadora e aplico o meio cruel como agravante (art. 61, III, “c”, do CP), de forma que aumento a pena em 1 ano de reclusão. Incide a atenuante da menoridade, pois o acusado era menor de vinte e um anos de idade ao tempo do fato, pelo que atenuo a pena em 1 ano de reclusão. De certo modo o réu confessou a prática criminosa, razão pela qual lhe reconheço a atenuante da confissão e, por isso, reduzo a pena também em 1 ano de reclusão.  

 

Pena provisória em 23 anos de reclusão.

 

Quanto à terceira fase não ocorrem causas de aumento ou de diminuição de pena

 

Assim, resulta a pena definitiva em 23 (vinte e três) anos de reclusão.

 

Nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (por se tratar de crime hediondo) e também tendo em vista a quantidade de pena e as inúmeras circunstâncias judiciais desfavoráveis, o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, a ser executado em estabelecimento de segurança máxima ou média, de acordo com a disponibilidade do sistema penitenciário, com observância às regras do art. 34 do CP. Ressalto que mesmo se não existisse a previsão legal de início do cumprimento à reprimenda em regime fechado, no caso haveria de ser fixado o mesmo regime, tanto pela quantidade de pena (CP, art. 33, § 2º, alínea “a”), como com apoio no art. 33, § 3º, do Código Penal, pois as circunstâncias concretas do crime traduzem ser o único regime compatível e proporcional ao grau de violação ao ordenamento jurídico.

 

São incabíveis a substituição por penas restritivas de direitos e o sursis, pois, além da quantidade de pena, não é indicada a substituição por se tratar de crime cometido com violência contra a pessoa (arts. 44 e 77 do CP).

 

Diante do exposto, julga-se PROCEDENTE a pretensão punitiva para o fim de CONDENAR o acusado XXX como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II e III, do Código Penal, devendo cumprir a pena de 23 (vinte e três) anos de reclusão inicialmente em regime fechado.

 

Disposições finais:

 

(a) Persistem presentes os fundamentos da prisão preventiva. Com efeito, tem-se que: (I) o acusado conta com inúmeros outros apontamentos criminais em sua vida pregressa, o que revela que encontra estímulos para permanecer na senda criminosa; (II) o crime foi extremamente grave concretamente, pois o réu agiu de modo excessivamente insensível e cruel, tendo matado sua própria companheira de vida, criando ainda obstáculos para que ela recebesse socorro; e (III) o modo de agir do réu evidenciou que oferece risco especialmente às mulheres, máxime em sendo pessoa dada ao consumo imoderado de drogas e bebidas. Assim, não poderá o acusado recorrer em liberdade, razão pela qual reforço a necessidade de sua prisão preventiva. Expeça-se novo mandado de prisão preventiva (motivo de sentença condenatória sem possibilidade de recurso em liberdade).

 

(b) Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, com a ressalva do artigo 12 da Lei n. 1.060/50.

 

(c) Fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, inciso IV), quantia essa a verter em benefício dos sucessores da vítima e sobre a qual deverão incidir juros moratórios de 1% ao mês e correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ambos contados desde a data do evento danoso (3.3.1992).

 

(d) Incide no caso o efeito genérico da condenação contido no inciso I do art. 91 do CP.

 

(e) Em atenção ao art. 15, inciso III, da Constituição da República, declaro a suspensão dos direitos políticos do sentenciado.

 

(f) Considerando que eventual recurso sobre a sentença condenatória não terá efeito suspensivo, em atenção à Resolução nº 19 do Conselho Nacional de Justiça, expeça-se guia de recolhimento provisório.

 

(g) Oportunamente, expeça-se certidão de honorários em prol do ilustre advogado que atuou no feito.

 

(h) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do sentenciado, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt.

 

(i) Após o trânsito em julgado: (i.1) lance-se o nome do condenado no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II); (i.2) oficie-se ao juízo eleitoral do local do domicílio do sentenciado comunicando a suspensão dos direitos políticos; e (i.3) expeça-se a definitiva guia de recolhimento para execução da pena.

 

Decisão publicada hoje, neste Plenário do Tribunal do Júri, às ________h________min., saindo os presentes dela intimados. Registre-se. Comunique-se.

 

Jacupiranga, autodata.

 

 

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR

Juiz Substituto

 

 

 

Fonte: Blog Colorindo a Justiça - https://colorindoajustica.blogspot.com.br/