Crimes Ligados à Pedofilia - O Que É Pedofilia? - por Carlos José e Silva Fortes

12/04/2012 18:32

CRIMES LIGADOS À PEDOFILIA - O que é Pedofilia?

Carlos Fortes - Promotor de Justiça


Atualmente se observa, através dos indicadores oficiais e da mídia, um expressivo aumento nos casos de crimes ligados à pedofilia, não porque estejam necessariamente ocorrendo em maior número, mas principalmente porque as campanhas de esclarecimento (v. g. a campanha “Proteja”, do Governo do Estado de Minas Gerais; a campanha “Todos contra a Pedofilia www.todoscontraapedofilia.ning.com”, da CPI da Pedofilia presidida pelo Senador Magno Malta; entre outras) têm obtido bons resultados em conscientizar a população da gravidade de tais delitos e da necessidade da apuração e do atendimento das vítimas.


O Hospital Pérola Byington, de São Paulo/SP, que é o maior centro de atendimento de vítimas de violência sexual da América Latina, nos apresenta algumas estatísticas que revelam o aumento significativo dos atendimentos relativos a caso de violência sexual contra crianças e adolescentes:

 

Se faz necessário entender todo o sentido das palavras “pedofilia” e “pedófilo”. O termo “pedofilia” é uma palavra formada pelos vocábulos gregos “pedos” (que significa criança) + “filia” (inclinação, afinidade), portanto, literalmente, significa “afinidade com crianças”.


Mas é evidente que quando se fala em “crimes ligados à pedofilia”, não se está referindo a quem gosta de crianças de maneira pura e desinteressada, como já entendido em respeitável artigo publicado pelo Boletim IBCCRIM (MORAES, Bismael B. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 3, out. 2004). O significado não é literal. O termo deve ser entendido em todas as suas conotações:


No campo da Psicologia a palavra “pedofilia” é usada para denominar uma parafilia caracterizada por predileção de adultos pela prática de ato sexual com crianças. Essa parafilia é também chamada pedosexualidade, e, pelo Código Internacional de Doenças da Décima Conferência de Genebra, é um transtorno mental (CID-10, F65.4), o que não significa que o acusado seja doente mental ou tenha o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, uma vez que pode entender o caráter ilícito do que faz e determinar-se de acordo com este entendimento.


De acordo com Tatiana Hartz (Psicóloga e Bacharela em Direito, especializada no atendimento de vítimas de abuso sexual):


“A Pedofilia é a parafilia mais freqüente e mais perturbadora do ponto de vista humano. É um transtorno de personalidade, conseqüentemente um transtorno mental que caracteriza-se pela preferência em realizar, ativamente ou na fantasia, práticas sexuais com crianças ou adolescentes. Pode ser homossexual, heterossexual ou bissexual, ocorrendo no interior da família e conhecidos ou entre estranhos. A pedofilia pode incluir apenas o brincar jogos sexuais com crianças (observar ou despir a criança ou despir-se na frente dela), a masturbação, aliciamento ou a relação sexual completa ou incompleta. Embora a pedofilia seja uma patologia, o pedófilo tem consciência do que faz, sendo a pratica do abuso sexual fonte de prazer e não de sofrimento. São pessoas que vivem uma vida normal, têm uma profissão normal, são cidadãos acima de qualquer suspeita, famoso “gente boa”, é mais provável um pedófilo ter um ar "normal" do que um ar "anormal" ”.


Fani Hisgail (Psicanalista, Doutora em Comunicação e Semiótica, autora do livro “Pedofilia – um estudo psicanalítico”), em entrevista a IstoÉ, nos diz:


“O pedófilo sabe o que está fazendo. Mesmo considerando que se trata de uma patologia, ele preserva o entendimento de seus atos o que o diferencia de um psicótico. O fato de a pedofilia ser uma patologia não significa que o pedófilo não deva ser punido. ... As estatísticas têm mostrado que 80 a 90% dos contraventores sexuais não apresentam nenhum sinal de alienação mental, portanto, são juridicamente imputáveis. ... Assim sendo, a inclinação cultural tradicional de se correlacionar, obrigatoriamente, o delito sexual com doença mental deve ser desacreditada. A crença de que o agressor sexual atua impelido por fortes e incontroláveis impulsos e desejos sexuais é infundada, ao menos como explicação genérica para esse crime.”


No campo jurídico a palavra “Pedofilia” vem sendo usada para indicar crime de natureza sexual cometido contra criança. Entretanto não existe na legislação brasileira tipificação específica de um delito que tenha o nomem juris de “pedofilia”, embora o termo já tenha sido usado em documentos oficiais, v.g.:


No artigo 3º do “Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Panamá, no campo da Luta Contra o Crime Organizado”, quando se refere ao intercambio de informações e dados, bem como tomada de “medidas conjuntas com vistas ao combate às seguintes atividades ilícitas”:... “atividades comerciais ilícitas por meios eletrônicos (transferências ilícitas de numerário, invasão de bancos de dados, pedofilia e outros)”;


No anexo 1, nº 143, do Decreto 4.229/2002 (DOU 14.05.2002), que dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, quando se refere “Combater a pedofilia em todas as suas formas, inclusive através da internet”; etc.


Como visto, pedofilia não é simplesmente “gostar de crianças”, é, sim, “gostar de crianças para praticar sexo” e praticar sexo com crianças é crime.

Pratica um crime ligado à pedofilia, portanto, aquela pessoa que comete um estupro contra uma criança  (estupro de vulnerável), aquele que produz, vende, troca ou publica pornografia infantil, aquele que assedia sexualmente uma criança através da internet, aquele que promove a prostituição infantil, etc.


Mas, como já esclarecido, existe uma minoria de pedófilos doentes e uma grande maioria de pedófilos criminosos que sabem muito bem o que estão fazendo.


Existe o pedófilo não criminoso – ou seja, uma pessoa que é portadora da parafilia denominada pedofilia (que, portanto, tenha atração sexual por crianças) – que pode jamais praticar um crime ligado à pedofilia, justamente porque sabe que é errado ter relação de natureza sexual com uma criança ou usar pornografia infantil. Este pedófilo, justamente porque é dotado de discernimento e capacidade de autodeterminação, mantém seu desejo sexual por crianças somente em sua mente (não passa da fase de cogitação). Este não é criminoso, porque não praticou conduta ilegal.


Existe o pedófilo criminoso que, embora dotado de discernimento e capacidade de autodeterminação, resolve praticar uma relação de natureza sexual com uma criança ou produzir, portar ou usar pornografia infantil, mesmo sabendo se tratar de crime. Esse evidentemente é imputável e deve ser condenado conforme sua conduta.

 

Existe também uma minoria de pedófilos doentes mentais, que apresentam graves problemas psicopatológicos e características psicóticas alienantes, os quais, em sua grande maioria, seriam juridicamente inimputáveis (se assim determinado pelo exame médico competente, realizado no decorrer de um processo judicial), porque não tem discernimento ou capacidade de autodeterminação. Caso estes exteriorizem suas preferências sexuais, na forma de estupro contra criança, uso de pornografia infantil, etc. não podem ser condenados, mas lhes deve ser aplicada a medida de segurança, conforme previsto em nossa legislação penal.


Existem, ainda, as pessoas que não são pedófilas, mas praticam crimes ligados à pedofilia. Por exemplo, temos aqueles que produzem e/ou comercializam a pornografia infantil para deleite dos pedófilos, mas que nunca sentiram atração sexual por crianças. Também temos aqueles que promovem a prostituição infantil, submetendo crianças ao “uso” dos pedófilos. Estes são simplesmente criminosos que visam lucro ilícito.


Por fim, existem aqueles que praticam ocasionalmente crimes sexuais contra crianças, mas que não são portadores da parafilia denominada “pedofilia”. São criminosos que se aproveitam de uma situação e dão vazão à sua libido com uma criança ou adolescente, mas que o fariam mesmo que se tratasse de uma pessoa adulta.


Como visto, pedofilia é uma parafilia e pedófilo é aquele que é portador dessa parafilia, podendo ser ou não criminoso, conforme os atos que venha a praticar.


Portanto, ser portador da parafilia denominada “pedofilia” não é, por si só, crime. Mas exteriorizar atos de pedofilia, ou seja, praticar estupro contra crianças, ou mesmo portar pornografia infantil, são crimes – porque definidos como tal em Lei. Tais crimes são evidentemente ligados à pedofilia – preferência sexual por crianças.


Assim, temos como crimes ligados à Pedofilia:

 

No CÓDIGO PENAL, modificado pela Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, através da qual se dá um tratamento mais rigoroso aos agora chamados Crimes contra a Dignidade Sexual, com agravamento de penas e medidas processuais (sigilo e facilitação da iniciativa da ação penal. etc.), especialmente aos crimes cometidos contra menores de idade:

 

ESTUPRO DE VULNERÁVEL:

 

CORRUPÇÃO DE MENORES – INTERMEDIAÇÃO DE MENORES DE 14 ANOS PARA SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA ALHEIA:

 

SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE:

 

FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL:

 

TRÁFICO INTERNACIONAL OU INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL:

 

RUFIANISMO:

 

CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL CONTRA MENORES DE 18 ANOS:


Conforme o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, tínhamos os artigos 240 e 241, que já haviam sido modificados em 2003, pela Lei 10.764 de 12/11/2003 (CPI da Prostituição Infantil), e estabeleciam como crimes, basicamente, a produção e distribuição de pornografia infantil.


Entretanto, no dia 25 de novembro de 2008, durante a abertura do “III CONGRESSO MUNDIAL DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES”, realizado no Rio de Janeiro, o Presidente da República sancionou a Lei 11.829/2008, proposta pela CPI da Pedofilia, que modificou o ECA, criando novos tipos de crimes para combate à pornografia infantil e ao abuso sexual, alterando os artigo 240 e 241, e criando os artigos 241-A a 241-E:


CRIME DE PRODUÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL:


CRIME DE VENDA DE PORNOGRAFIA INFANTIL:


CRIME DE DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL:


CRIME DE POSSE DE PORNOGRAFIA INFANTIL:


CRIME DE PRODUÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL SIMULADA (MONTAGEM):


CRIME DE ALICIAMENTO DE CRIANÇA: É o “Grooming” propriamente dito.


“Internet Grooming” é a expressão inglesa usada para definir genericamente o processo utilizado por pedófilos criminosos (chamados também de predadores sexuais) na Internet, e que vai do contato inicial à exploração ou abuso sexual de crianças e adolescentes.


Trata-se de um processo complexo, cuidadosamente individualizado, pacientemente desenvolvido através de contatos assíduos e regulares desenvolvidos ao longo do tempo e que pode envolver a lisonja, a simpatia, a oferta de presentes, dinheiro ou supostos trabalhos de modelo, mas também a chantagem e a intimidação.


A Diretora de Pesquisa da “Cyberspace Research Unit” da “University of Central Lancashire” (UCLan), da Gran Bretanha, Rachel O'Connell, produziu um estudo, chamado “A Tipologia da Exploração Cybersexual da Criança e Práticas de Grooming Online” (“A Typology of Child Cybersexpolitation and Online Grooming Practices”), que nos dá informações extremamente relevantes para entender e poder explicar aos jovens as diversas etapas seguidas por este processo, que compreende a seleção de vítimas, amizade, formação de uma relação, avaliação do risco, exclusividade, conversas sobre sexo.


Evidentemente trata-se de crime ligado à pedofilia.


Como visto, pedofilia não é simplesmente “gostar de crianças”, mas é “ter interesse sexual por crianças”. A manifestação deste interesse pode constituir crime conforme as tipificações legais.


Todo aquele que exterioriza tais práticas, conforme definidas em Lei – como analisado acima – pratica um crime ligado à pedofilia, independentemente de ser ou não portador da parafilia denominada “pedofilia”.


Portanto, ser portador da parafilia denominada “pedofilia” não é, por si só, crime. Mas exteriorizar atos de pedofilia, ou seja, praticar estupro contra crianças, ou mesmo usar pornografia infantil, são crimes – porque definidos como tal em Lei – e tais crimes são evidentemente ligados à pedofilia – preferência sexual por crianças.

 

Para conhecer melhor a campanha “TODOS CONTRA A PEDOFILIA”, patrocinada também pelo MPMG, visite o site: www.todoscontraapedofilia.ning.com

 

O material referente à campanha patrocinado pelo MPMG está disponível na ASSCOM.


Carlos José e Silva Fortes

www.todoscontraapedofilia.ning.com

Promotor de Justiça - Ministério Público de Minas Gerais

Curador da Infância e da Juventude - Divinópolis/MG

CPI da Pedofilia - Senado Federal